De Entrevista para o I Simpósio de Reabilitação Neurológica de Sergipe

Entrevistadora : Gicela Navarrete, fisioterapeuta

Há 17 anos atrás, você que era um atleta, um jogador de futebol em seu país de origem, a Suíça, sofreu um acidente numa viagem à Tailândia, mergulhando em águas desconhecidas e tornou-se tetraplégico. Qual ou como foi a importância do processo de reabilitação na sua recuperação após a lesão medular?

Foi primordial para que eu pudesse renascer e viver novamente de forma digna. Apesar das dificuldades, a minha reabilitação foi algo apaixonante e divertido. Eu era como um bebê descobrindo meu « novo » corpo e também como um guerreiro indo atrás dos meus objetivos, desafiando cada obstáculo que se encontrava no meu caminho. Passei 10 meses no Centro de Reabilitação dos Paraplégicos em Genebra na Suiça onde eu tive uma reabilitação intensiva (3-4 horas por dia). Reaprendi, em paralelo com minha sobrinha de 1 ano, e com o apoio dos profissionais (terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, enfermeiras, médicos, etc) todos os atos da vida diária (beber, comer, escovar os dentes e os cabelos, vestir-me, escrever, fazer transferências, dirigir, praticar esportes, etc).

Depois deste período, fui para um lar (abrigo) para pessoas com limitações físicas onde aperfeiçoei minha « independência » para poder depois, viver sozinho num apartamento. Precisava 3 vezes por semana de uma enfermeira domiciliar  para ajudar em alguns atos e uma empregada doméstica para a limpeza do apartamento uma vez por semana. E se fosse necessário, a família e os amigos se prontificavam para me ajudar.

Os conhecimentos terapêuticos, os materiais de tecnologia assistencial, a condição econômica e/ou assistência social, a escuta do seu corpo e dos seus sentimentos, uma comunicação verdadeira entre o reabilitado e a equipe multidisciplinar , a atitude interior positiva frente a situação exterior, o respeito, a motivação, a perseverança, a determinação, a disciplina, o bom humor, a humildade, a confiança, a paciência e a vontade de viver são os requisitos principais para o processo de evolução na reabilitação, conseguindo e adquirindo assim,  o máximo de independência possível, respeitando os limites físicos e psicológicos de cada um!

Cada conquista era um sorriso se desenhando no meu rosto e no do terapeuta. Tinha dia que eu estava cansado e duvidando, mas sempre tinha uma voz dentro de mim que me dizia: « Nunca desista, confie e realize seus sonhos, pelo menos tente! ».

Mesmo que nós não consigamos realizar todos os nossos sonhos, o importante na vida é ser feliz, se lembrando que o Sonho Supremo na vida é Amar!

Hoje, você precisa de ajuda para algumas coisas ou atividades da sua vida diária, por outro lado, é totalmente independente para tantas outras, como qualquer cidadão comum. O que significa « independência » para você ?

Será que a « independência » existe realmente ?  Os budistas falam de « interdependência » que eu acho mais apropriado. Tudo é interdependente, dos átomos até as galaxias do Universo, do Presidente Lula até as crianças das favelas, do Kaka até os torcedores, dos terapeutas até as pessoas com deficiência!

Pessoalmente, corri atrás da minha « independência » por 5 anos, e quando imaginei tê-la conquistado, percebi que todos nós estamos dependendentes ou interdependentes de alguém ou de algo!

Apesar desta interdependência, eu acho importante tentar o possível para conquistar o máximo de autonomia. Isto facilitará a vida da pessoa com deficiência e a vida de todos ao seu redor!

Frente aos obstáculos da vida e da nossa suposta dependência, o mais importante é a nossa atitude interior, a aceitação dos nossos limites e de que precisamos da ajuda do outro!

Trace, por favor, um comparativo entre a realidade européia e brasileira sobre o livre acesso a todos nas cidades, como por exemplo, situações de transporte, arquitetura urbana, etc.

 De modo geral, na Europa, eles estão alguns passos a frente do Brasil, mas têm ainda muito a se fazer e à melhorar.  Lá, o impulso maior começou em 1981, Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, quando ocorreu um grande trabalho de sensibilização e de conscientização demonstrando a importância da integração das pessoas com deficiência na sociedade e do potencial real daquelas pessoas. Apesar da realidade nacional, temos visto um esforço maior neste sentido nos últimos anos também no Brasil !

Facilitar o livre acesso para as pessoas com deficiência é facilitar a vida de todos sem exceção! Temos hoje aproximadamente 14,5% da população brasileira convivendo com uma deficiência. Se você adicionar os idosos, as famílias com carrinho de bebê, as pessoas que andam de bicicleta, os ambulantes com carroça, os deficientes temporários de Monsieur e Madame  todo mundo, você chega quase a 100% da população precisando do livre acesso !

Existe o deficiente, a deficiência e a pessoa vivendo com uma deficiência, por outro lado, a própria pessoa com deficiência tem que fazer a sua parte para se integrar na sociedade ! Muitas vezes, eles têm uma atitude de vítima e de coitadinho dizendo: « É difícil, nada é acessível, o Governo faz nada, as pessoas não ajudam, etc. » Para que as coisas mudem, temos que mudar de atitude frente as situações, aos obstacúlos e a Vida! Se nós esperarmos que tudo seja acessível, que tudo seja nas normas e que todas as leis sejam cumpridas para nos integrarmos na sociedade e viver, nós podemos ainda esperar anos e anos, ver séculos! Nós precisamos estar na rua, apesar das dificuldades, mostrando que nós existimos e que nós queremos e merecemos viver como qualquer cidadão! Para isso, nós precisamos também ter uma atitude positiva e saber que nós, Seres Humanos, temos um poder de adaptação enorme e se precisarmos de ajuda nada custa ter humildade e pedir ajuda com um sorriso. É muito mais fácil abrir as portas tendo uma atitude positiva e confiante, do que com uma cara feia e fechada!

A integração tem que ir nas duas direções.

As pessoas com deficiência vão poder se integrar na sociedade, apenas no dia em que elas não se acharem mais deficientes! E do outro lado, as autoridades e a comunidade têm que ver essas pessoas fazendo parte de forma integral desta sociedade e fazer o possível para aplicar as leis e as normas de maneira a facilitar esta integração!

Sem provocação nenhuma. Cada um de nós, vivendo aqui nesta terra, pode cair na fossa do leão! Quer ser engulido pelo leão ou quer viver? Você que sabe! Se quiser ser engulido, fique com a sua ignorância achando que você não pode domar o leão! Ou se quiser viver, saiba que com a compreensão e a compaixão num do outro, nós podemos viver em harmonia e em Paz!

Quais podem ser os benefícios para as cidades turísticas, como a própria Aracaju, de se investir em acessibilidade a todos (obesos, crianças, idosos, deficientes físicos-permanentes ou temporários, deficientes visuais-auditivos e outros)?

São muitas. Primeiro, temos que saber que todos serão beneficiados, tanto os moradores locais, quanto os visitantes e turistas. Além do livre acesso para todos que já falei, existe um potencial turístico enorme a ser desenvolvido para as pessoas com deficiência! Poucas coisas ainda foram feito aqui no Brasil e a vontade de viajar destas pessoas é grande. Mas a maioria tem medo de viajar e de não encontrar o CONFORTO e a SEGURANCA suficiente para se locomover e realizar todos os atos do cotidiano.

Existe aqui no Brasil e no exterior, muitas agências de turismo especializadas para pessoas com deficiências que estão a procura de lugares acessíveis a todos. O deficiente quase sempre viaja com a família ou com os amigos ou em grupos, isso quer dizer que eles trarão mais turistas a cidade. No Brasil existem poucos lugares turísticos acessíveis, então, é uma oportunidade de se tornar pionieiros aqui no Nordeste, para Aracajú junto a Porto de Galinhas que já está se desenvolvendo nesse sentido.

Você é presidente de uma ONG em Porto de Galinhas-PE, as « Rodas da Liberdade ». Quais são as ações sociais promovidas pela organização ?

Na verdade, a ONG se tornou uma OSCIP (Organização Social Com Interesse Público) em setembro do ano passado. Nós estamos numa fase de re-estruturação para poder desenvolver novos projetos como construir um Centro de Reabilitação, fazer de Porto de Galinhas e porque não, junto a cidade de Aracajú, um exemplo de Cidades Turísticas Acessíveis a Todos!

Até hoje, nosso trabalho consiste em oferecer materiais ortopédicos como cadeiras de rodas, próteses, órteses, etc para as pessoas com deficiência carentes e orientá-las para encontrar um centro de reabilitação, uma escola, um trabalho estimulando cada um a desenvolver seu potencial de criatividade a fim que eles se integram na sociedade de forma digna.

Para aqueles que não têm possibilidade de fazer reabilitação num centro, nós os ajudamos a se reabilitar compartilhando as nossas experiências de forma que eles possam adquirir mais autonomia.

Já organizamos vários eventos de esportes e lazer na praia de Porto de Galinhas onde praticamos caiaque, passeio de jangada, mergulho, esqui aquático, arco e flecha, dança, capoeira, basquete, natação, polo aquático e fazemos também todo um trabalho de integração e de sensibilização em relação a deficiência na comunidade local.

O objectivo final é de mostrar para todos que qualquer cidadão deste mundo tem seu lugar, seu papel e sua missão. Cada um de nós pode se tornar um Homem Glorioso e viver de forma digna nesta sociedade!

Você virá a Aracaju para participar do I Simpósio de Reabilitação Neurológica de Sergipe. Quais são os frutos que podem ser colhidos neste evento pionieiro para a cidade?

Este evento é uma grande oportunidade de compartilhar tanto as experiências dos profissionais como as últimas novidades em relação a reabilitação neurológica e também as experiências das pessoas que foram beneficiadas por essas terapias. É tornar o  « impossível » em « possível » para que cada um desenvolva ao máximo seu potencial de criatividade e de autonomia.

Vai ser benéfico para todos que se interessem por reabilitação, incluindo profissionais, pacientes, familiares, amigos e autoridades públicas. Todo este trabalho desenvolvido através deste I Simpósio e da clínica „Movimentum“ vai poder beneficiar a integração das pessoas com deficiência na sociedade.

Venha descobrir que o Ser Humano está em constante evolução e que ele é capaz de vencer os obstacúlos de forma harmoniosa e feliz!

Obrigado e parabéns a todos que estão promovendo este lindo evento!

 

Porto de Galinhas, o dia 23 de março de 2008